08 dezembro 2013

A Tempestade...






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Chapada dos Guimarães, MT







07 dezembro 2013

FOTOGRAFIA e ARTE


Em 19 de agosto de 1839, a Academia Francesa de Ciências torna pública a invenção da fotografia. O estado francês adquirira a invenção e a tornava um bem público, livre para exploração de qualquer interessado. O processo fotográfico foi detalhadamente exposto e suas vantagens enumeradas. François Arago, sábio reconhecido pela sociedade e um líder da câmara francesa, foi quem propôs a compra do invento e sua divulgação ao mundo. Arago previu as  grandes possibilidades da fotografia e as transformações que causaria na ciência  e no mundo. Em seu famoso discurso na Câmara de ciências dizia:

 “Que enriquecimento viria a arqueologia a receber da nova técnica! Para copiaros milhões e milhões de hieróglifos que cobrem, mesmo no exterior os grandes monumentos de Tebas, Mênfis, de Karnak, etc., seriam precisas vintenas de anos e legiões de desenhadores. Com o daguerreótipo, um só homem poderia levar a  bom  termo esse imenso trabalho” (in Freund, 19-   p.39)

E , em tom de profecia, completou:

 “De resto, quando os observadores aplicam um novo instrumento ao estudo da natureza, aquilo que eles disso esperam é sempre pouca coisa relativamente à sucessão de descobertas de que o instrumento se torna origem. Neste gênero, é com o imprevisto que devemos contar particularmente”. (in Freund, 19-   p.39)

O pintor Delaroche compartilhava das visões de Arago:

 “...é permitido esperar  que  poderemos realizar mapas  fotográficos  do  nosso satélite. Quer  dizer  que  se  executará em  alguns  minutos  uma   das  tarefas mais delicadas da nossa astronomia.” (in Freund, 19-   p.39)

A apresentação da fotografia na Academia de Ciências foi um grande  acontecimento em Paris. A arqueologia, a astronomia e a ciência em geral, seriam em primeiro lugar as grandes beneficiadas com o invento. Nos jornais artigos e declarações proliferavam, não eram apenas os homens de ciências que analisavam as possibilidades da descoberta, também filósofos, artistas e religiosos defendiam posições. Uns contra , outros a favor. Num primeiro momento a Igreja  se coloca contra, a exemplo do artigo num jornal alemão de 1839:

 “querer  fixar  reflexos  fugidios  não  só  constitui  uma   impossibilidade , como demonstram as seríssimas experiências feitas na Alemanha, mas o simples fato de querer tal coisa confina com o sacrilégio. Deus criou o Homem a sua imagem e nenhuma máquina humana pode fixar a imagem de Deus; ser-lhe-ia preciso trair de repente os próprios princípios eternos para permitir que um francês, em Paris,  lançasse ao mundo uma invenção tão diabólica”. (In Freund, 19-   p.79)

Muitos críticos, artistas e pensadores de arte também se colocavam contra a fotografia, vista como algo ameaçador para a “arte elevada”. Afinal, por que se preocupar em pintar o real se a fotografia faria melhor? Ou então: seria a fotografia uma nova arte? Apenas sua existência já era motivo para polêmica. As diversas considerações de uso provocavam uma mistura de admiração e temor. A grande maioria dos artistas a recusava como arte, aceitando-a no máximo como um auxiliar subordinado às Artes ou a Ciência. Delacroix, por exemplo, considerava a fotografia como um “auxiliar valioso” para completar o ensino de desenho, mas a rejeitava como arte, o mesmo acontecendo com os pintores históricos que faziam algumas de suas obras com base em daguerreótipos.  Ingres, um dos maiores pintores de sua época, considerava a fotografia e os artistas modernos (Romantismo e Realismo) como “profanadores do templo sagrado da arte”, e  discursava:

 “Querer misturar a indústria à arte, a indústria! nos não a queremos! Que ela se mantenha em seu lugar e não venha estabelecer-se nos degraus da nossa Escola de Apolo, consagrado apenas às artes da Grécia e de Roma. (in Freund, 19-   p.84)

O surgimento da fotografia coincide com a revolução industrial, sendo deste modo classificada como um produto da indústria. Para muitos havia uma verdadeira “luta” entre a arte e a indústria. Nesta época foi feita em Paris um abaixo assinado de protesto, onde diversos expoentes da arte declaravam que entre a fotografia e a arte nada havia em comum. Os pintores e pensadores em geral valorizavam o fazer manual do artista, enquanto o fotógrafo era apenas um observador do processo. A maquina e os elementos químicos fariam tudo, não cabendo ao fotógrafo nenhum mérito pela imagem criada.
O poeta Baudelaire foi um dos que mais praguejavam contra a fotografia, considerava a invenção como “algo devido à mediocridade dos artistas modernos, bem como refúgio de todos os pintores falhos”. Criticando severamente o fascínio que a sociedade francesa tinha pelo processo fotográfico:

 “Em matéria de pintura e estatuária, o credo atual das pessoas de sociedade, principalmente na França ( e não acredito que alguém ouse afirmar o contrário) é o seguinte: ‘acredito na natureza e só na natureza ( há boas razões para isso). Acho que a arte só pode ser representação exata da natureza (...)  Assim, a indústria que nos desse um resultado idêntico à natureza seria a arte absoluta’. Um Deus vingador acolheu favoravelmente os desejos dessa multidão. Daguerre foi seu Messias. E então ela disse para si: ‘como a fotografia nos proporciona todas  as garantias desejáveis de exatidão (eles acreditam nisso, os insanos!) a arte é a fotografia’. A partir desse momento, a sociedade imunda precipitou se, como um único Narciso, para contemplar sua imagem trivial no metal. Uma  loucura,  um  fanatismo  extraordinário  apoderou - se  de  todos   esses   adoradores novos  do sol”.  (in Dubois, 1994  p.27-28)

Apesar da posição contrária dos artistas muitos acabariam por se tornar fotógrafos ou mesmo se deixaram fotografar. O próprio Baudelaire é o exemplo maior dessa contradição, sendo fotografado varias vezes tanto por Nadar quanto por Carjat. Os artistas e intelectuais foram os primeiros a serem fotografados, já que por sua própria natureza estavam mais dispostos  a novidades vendo-as com menos preconceito. É interessante notar que Nadar, Baudelaire, Delacroix, Gustave Doré, Carjat e muitos pintores e fotógrafos eram amigos. Há um grande numero de artistas registrados desse período, justamente por essa proximidade.
A  fotografia pouco abalou os grandes pintores de sociedade, mas atinge de forma devastadora aqueles que trabalham para a baixa e a média burguesia, os fisionotracistas  e os miniaturistas. A fotografia surge fazendo forte concorrência comercial, por ser uma novidade e por proporcionar preços muito mais em conta. Desde a Revolução Francesa o retrato se tornara uma mania da burguesia e até certo ponto uma necessidade psicológica. Fazer-se retratar era prova de ascensão social. Antes o retrato (pintado) era um privilégio somente possível a figuras abastadas da sociedade, e deste  modo, uma forma de auto afirmação. A miniatura e o fisionotraço eram a forma mais barata de satisfazer a tal necessidade.
O perfil do fotógrafo muda várias vezes durante a história. Num primeiro momento eram cientistas (muitas vezes amadores), já que a fotografia necessitava de vastos conhecimentos de física e química; em seguida vieram os experimentadores, que com a divulgação se multiplicaram a testar o novo invento; e no terceiro momento são os artistas, (muitos pintores a óleo , miniaturistas e fisiotracistas) falidos pelos fotógrafos. Por volta de 1850 a fotografia já estava suficientemente simplificada para ser utilizada pelas pessoas “comuns”(  não cientistas, mas a fotografia só se populariza no final do século XIX), muitos artistas que na véspera eram contra a fotografia agora a tomam como profissão. Os trabalhos desses profissionais apresentavam um acabamento primoroso, sendo hoje considerados como os melhores do período. Fotógrafos como Nadar, Carjat, Le Gray e Robinson eram desinteressados de pretensões artísticas, eram profissionais e por isso mesmo hoje são vistos como artistas.
Em 1855, Courbet faz sua exposição individual, que intitulava “Le Réalisme”, marcando com ela o início do movimento chamado de realismo. Sua intenção era de pintar a natureza como observador imparcial, o mundo visível como seu único domínio, assim desvalorizando a imaginação e por conseguinte a arte oficial (o neoclássico) que idealizava a natureza. O realismo tinha sua estética inseparável da filosofia  positivista, uma visão cientifica e social da realidade, ao ponto desses pintores recusarem o rótulo de artistas e preferir em serem chamados apenas pintores. Na mesma época ocorria a primeira exposição da indústria, onde a fotografia tinha um salão especial. Enquanto a exposição fotográfica lotava, a de Courbet era boicotada. Num primeiro momento o Realismo foi rejeitado pelo grande público, mas depois foi aceito.
O Realismo não sofria somente desprestígio com o público, mas também com a crítica, que a considerava como resultado da influência negativa da fotografia. O critico Delecleze se colocava contra o Realismo e considerava o “gosto pelo naturalismo ser pernicioso para a arte elevada” e associava a fotografia à decadência da arte.
Apesar dos Realistas elogiarem os pintores que desapareciam “por de trás do cavalete”, que separavam a imagem produzida, do artista que a produziu, a exemplo da fotografia. Por outro lado eles também não consideravam a fotografia como arte, pensamento comum a todos movimemtos até o Dadaismo.
Todos concordavam num ponto: a fotografia era capaz de fazer a reprodução exata da realidade. Um instrumento mimético por suas próprias características de processo. Não havia qualquer dúvida sobre a existência do sujeito retratado. Hoje esta fidelidade pode ser questionada, mas não a existência de pelo menos parte desse sujeito (aspecto pelo qual a semiologia classifica a fotografia como índice). A fotografia desempregou todos aqueles pintores que procuraram “competir” com ela, criou um novo ramo de atividade criativa e eliminou uma preocupação centenária: a necessidade da mímese. Deste momento em diante, a pintura perde uma de suas grandes funções, a cópia da natureza, do mundo. E neste sentido que muitos consideram a fotografia como grande a libertadora da arte. Agora, o Romantismo poderia justificar sua busca pela emoção e a valorização das cores; o Realismo poderia se preocupar com a verdade e o social; e a pintura poderia se libertar definitivamente da “prisão” do traço.
Possivelmente a origem da pintura do “borrão” esteja na fotografia, inspirada  nos grãos de cloreto de prata dos Daguerreótipos, talvez os impressionistas tenham descoberto a nobreza da luz ao observar fotografias, tese que deve ser respeitada se lembrarmos que a primeira exposição impressionista foi num estúdio fotográfico (1874), estúdio do mais admirado fotógrafo do século passado, Félix Nadar.
Será que Degas não retirou inspiração para suas inúmeras cenas de balé ao observar o movimento em uma fotografia? É sabído que ele utilizava de fotos como base para alguns de seus estudos. No Futurismo, por outro lado, não há dúvida sobre sua inspiração na fotografia, mas especificamente na cronofotografia. O efeito da velocidade e da simultaneidade que tanto marca a obra futurista. Inegável ao observar obras  como “jovem balançando-se”, de Bragaglia e “dinamismo de um cachorro”, de Balla. Mas não havia qualquer intenção de representar o real, afirmava  Bagaglia:

 “Não estamos interessados nas metas e características da cinematografia e cronofotografia (...) Desprezamos a reprodução exata, mecânica e glacial da realidade, tomando o máximo cuidado em evitá-la. Para nós, ela é um elemento negativo e nocivo, enquanto para a cinematografia é sua essência ...” (in  Brill, 1988  p. 97)

Picasso também fala sobre a importância da fotografia para a arte:

 “Quando você vê tudo que é possível exprimir através da fotografia, descobre tudo o que não pode ficar por mais tempo no horizonte da representação pictural. Por que o artista continuaria a tratar de sujeitos que podem ser obtidos com tanta precisão pela objetiva de um aparelho de fotografia? Seria absurdo, não é? A fotografia chegou no momento certo para liberta a pintura de qualquer anedota, de qualquer literatura e até do sujeito. Em todo caso, um certo aspecto do sujeito hoje depende do campo da fotografia” (in Dubois, 1994   p.31)

Com a fotografia, a arte deixa de ser popular, no sentido comercial. A exemplo do Romantismo, se torna elitizada, restrita à certos círculos. E pelo fato de desvincular-se do comércio, agora ela pode questionar criticamente a sociedade e a si própria. A vanguarda artística iniciada no Impressionismo, busca lentamente sua libertação do real, e obtendo o sucesso ao chegar no Expressionismo Abstrato e no Construtivismo. Será que esta transformação radical, ocorrida em poucas décadas, seria possível sem o surgimento da fotografia?
Herbert Macário
Niterói, 1994

BIBLIOGRAFIA
. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Ed. Companhia das Letras,  1993
. BRILL, Alice.  Da Arte e Da Linguagem. São Paulo: Ed. Perspectiva,  1988
. DUBOIS, Philipe. O Ato Fotográfico. Rio de Janeiro: Ed. Papirus, 1994
. FREUND, Gisèle. Fotografia e Sociedade. Lisboa: Ed. Vega, 19-
. GOMBRICH, E. H.  A História da Arte. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1994


A primeira fotografia do mundo, por Nièpce em 1926



Boulevard du Temple, por Louis Daguerre

Fotógrafos viajantes começaram a mostrar o mundo para a Europa


As primeiras fotos amadoras com a câmera Kodak Número 1